Monday, March 13, 2006

Pequenos poemas sobre energia

O lago, as árvores, a cidade nova, a central nuclear, em tudo se respira um ar bucólico que puxa ao haiku, esse pequeno exercício poético japonês, delicado, simples e breve, a que nem falta o chilreio dos pássaros:

A central emerge,
como desajeitada baleia,
do mar de árvores.

A central nuclear de Igualina, 120 quilómetros a norte de Vilnius, na Lituânia, parece incrustada na paisagem que a rodeia. Era um princípio do mundo quando foi imaginada no início dos anos 70 e um pesadelo de apocalipse quando a construção do segundo reactor foi suspensa e o terceiro reactor não chegou a sair do papel em 1986, ao explodir a sua irmã gémea Chernobyl e transformar-se num caixão nuclear soviético.
O acidente de Chernobyl, ao que parece, surgiu de uma combinação de erros humanos imprevisíveis e em cadeia que pôs em causa as rotinas de segurança da central nuclear. Num país burocrático e controlador como a União Soviética, os mecanismos de controlo não funcionaram e a liberdade humana de errar germinou cogumelos nucleares. Dessa cadeia de erros, se aproveitou o fantasma para assustar – os municípios portugueses de gestão comunista, numa clara contradição com o exemplo de Moscovo e sem qualquer razão plausível a não ser a de propaganda, exibem há muitos anos placas orgulhosas com a inscrição ZLAN – Zona Livre de Armas Nucleares.
O medo marcante de Chernobyl deixou Igualina apenas com uma unidade de produção – canceladas as outras duas previstas –, mesmo assim, capaz de produzir a energia necessária pela Lituânia e ainda garantindo um excedente substancial para melhorar a balança comercial do país.
Só que desde que a Lituânia iniciou as negociações com vista à sua entrada na União Europeia (tal como veio a acontecer em Maio de 2004) que o tema de Igualina se mostrou como uma rocha pesada na construção do bom caminho para as negociações.
Os ambientalistas sempre a apelidaram de bomba-relógio nas barbas da Europa e zurziram no Governo lituano por resistir ao seu encerramento. O director da central, Viktor Shevaldin, garante a segurança absoluta da central, apelida a decisão de a encerrar até 2009 um disparate político e não uma sensata decisão científica, dá-lhe 30 anos de vida útil (até 2016) e com investimentos mais dez anos pelo menos (até 2026).
Só que nenhum argumento tem validez quando toca o medo a rebate. E uma central nuclear é fácil de pintar com as cores do temor generalizado. A morte que caminha silenciosa, os caixões de resíduos que se deixam para gerações e gerações vindouras, o perigo sem cheiro, nem sabor, invisível e impalpável, impossível de vencer.
O carvão que também aquece e o petróleo que também dá luz podem ser facilmente compreensíveis, mas a fusão do átomo! Com quantas palavras simples se pode explicar a enorme energia produzida pela junção de coisas que não se vêem, como os átomos?
E a União Europeia que é pátria de políticos e burocratas e se preocupa com relações públicas, lobbies e interesses nem quis prestar-se ao exercício de melhorar Igualina, de a vender como necessária, de demonstrar que sem ela, a Lituânia precisa de carvão e petróleo para se aquecer, alumiar, mover, carvão e petróleo que não causam tanto medo como a fusão do atómo, mas deixam, sem dúvida, rasto.
Quantos poemas bucólicos se poderiam escrever sobre minas de carvão ou poços de petróleo? Sobre essas marcas da Revolução Industrial escreveram Dickens e Zola páginas e páginas a inspirar uma necessária revolução, porém, ninguém se lembraria de lhes dedicar um poema simples, bucólico, um arremedo como este:

Negro o fumo
no rasto pesado dos pulmões
a gritar futuro.

Da UE, só ouviram os lituanos a ordem de fechar Igualina. E com a central condenada, Visaginas, a mais jovem cidade da Lituânia, 33800 habitantes, parece também ter os dias contados. Embora os seus habitantes queiram acreditar que não, por acreditarem em técnicas alternativas de sobrevivência – quantas cidades morreram a crer no mesmo milagre!
Iniciada com as casas dos primeiros engenheiros nucleares enviados para o local em 1975, recebeu o estatuto de assentamento do tipo urbano em 1977 com o nome de Sniechkus, baptismo que manteve até 1992, quando o Presidente da Lituânia autorizou as armas da cidade de Visaginas construída na margem do maior lago do país, Drukshai – do outro lado fica a Bielorrússia.
Ina Didziuzyte é jovem e fala orgulhosa “deste lugar diferente”, sem lutas, nem “night-clubs”, e acredita nos investimentos no turismo. Ramunas Cizauskas, especialista em turismo, cita o exemplo dos seis milhões de euros investidos para limpar a área do lago, fala na melhoria das infra-estruturas do estádio e nos courts de ténis, na marina, na praia fluvial de areia fina, nos hotéis. Ambos querem acreditar no que dizem.
Uma enorme área em torno de Chernobyl, tornada interdita ao homem por causa das radiações nucleares, está hoje, 20 anos depois, transformada em santuário da vida selvagem e há empresas na Ucrânia especializadas em turismo de aventura na zona proibida. Visaginas não teve nenhum desastre nuclear, apenas uma central gémea de Chernobyl condenada a fechar, o seu é um caso mais difícil para explorar. Em termos turísticos, quero dizer.

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